O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento de um caso que pode colocar em risco os postos de trabalho de cerca de 1 milhão de jovens aprendizes e pessoas com deficiência, ao decidir se empresas e funcionários que já estão contratados podem entrar em acordo para reduzir ou mesmo acabar com as cotas de vagas para essas categorias. Previsto inicialmente para ser julgado nesta quinta-feira, 28, o caso não tem nova data para ser julgado.
O STF irá julgar se o chamado “acordado sobre o legislado” instituído pela reforma trabalhista de 2017 pode ser aplicado sobre 16 temas, inclusive sobre as cotas para contratação de aprendizes e pessoas com deficiência. Entidades de assistência social e ligadas à aprendizagem de jovens alertam que o acesso deles ao trabalho está garantido pela Constituição, mas já admitem que a maioria dos ministros do STF deve avalizar que acordos entre patrões e sindicatos reduzam a reserva de vagas.
A Lei 8.213 estabeleceu ainda em 1991 cotas de 2% a 5% da força de trabalho para pessoas com deficiência, a depender do tamanho das empresas. Sancionada no fim de 2000, a Lei do Aprendiz determinou que empresas consideradas de médio e grande porte reservem vagas para adolescentes e jovens de 14 a 24 anos, sem idade máxima para os aprendizes com deficiência. A cota de vagas é de, no mínimo, 5% e de, no máximo, 15% do quadro de funcionários.
Mas a reforma trabalhista de 2017 estabeleceu que os acordos entre patrões e funcionários terão peso maior do que as leis que regulam o trabalho, com exceção dos direitos resguardados pela Constituição. Como as cotas não estão no rol dos direitos expressos no texto constitucional, diversas entidades empresariais questionaram a Justiça sobre a possibilidade de realizar acordos sobre elas.
A decisão do STF é sobre um caso de um funcionário que entrou contra a decisão de uma empresa, mas terá repercussão geral, ou seja, valerá para todos os casos sobre o tema que tramitam hoje nas diversas instâncias do judiciário. De acordo com votações anteriores, a tendência é de que o aval para acordos reduzirem cotas seja aprovado com placar apertado, de seis votos (ministros Gilmar Mendes, Carmem Lúcia, Nunes Marques, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes) a cinco contrários (ministros Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Rosa Weber, Edson Fachin e André Mendonça).
O superintendente da Federação Brasileira de Associações Socioeducionais de Adolescentes (Febraeda), Antonio Roberto Pasin, alerta para impacto da decisão sobre a atual reserva de vagas para jovens e portadores de deficiência nas empresas e acredita que a mobilização de parlamentares e da sociedade ainda pode virar algum dos votos no Supremo, ou mesmo garantir um pedido de vista.
“Estamos falando de políticas públicas fundamentais para adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade e pessoas com deficiência. São cerca de 1 milhão de empregos diretos, com grande impacto na educação e na assistência social. Temos hoje 500 mil pessoas com deficiência no mundo do trabalho, sendo 92% pelo cumprimento de cota. E outros 500 mil aprendizes, todos por cumprimento de cotas”, detalha Pasin.
Ele lembra que a Justiça do Trabalho já decidiu em inúmeras ações que as cotas não deveriam ser abarcadas pelo instrumento do “acordado sobre o legislado”. “Só pela necessidade de existirem as cotas, já fica demonstrado que se trata de um público excluído, que não teria força nas convenções coletivas. As cotas asseguram o atendimento de direitos constitucionais que não podem ser afetados por convenções coletivas. Deixar isso ser negociado é absurdo”, enfatiza.
Caso o STF autorize que as cotas sejam objetivo de negociação entre empresas e funcionários, a Febraeda e outras entidades já estudam saídas legislativas para garantir a continuidade da reserva de vagas. Uma alternativa seria detalhar em lei específica quais temas podem ou não ser decididos em convenções coletivas e quais precisam ser blindados. Outra hipótese mais trabalhosa seria propor uma Emenda à Constituição (PEC) para colocar as cotas diretamente no texto constitucional em pé de igualdade com outros direitos inegociáveis – como férias e 13º salário.